terça-feira, 5 de julho de 2011

É desta que compro uma casa


A pressão para obter receitas e a falta de compradores nas hastas públicas estão a fazer com que as Finanças recorram, cada vez mais, à venda de imóveis penhorados através de negociação directa, com preços-base meramente simbólicos.

Segundo constatou o SOL, em várias vendas de apartamentos e terrenos a licitação mínima definida pela Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) chega a ser de um cêntimo, ganhando a melhor proposta apresentada.
Até ontem, esteve à venda uma fracção para habitação em Vilar de Andorinho, concelho de Vila Nova de Gaia, com um valor patrimonial de cerca de 59 mil euros. Com 112 metros quadrados de área e um preço-base de um cêntimo, o bem tinha a indicação de que seria «vendido pela melhor proposta».
E há outras vendas ainda em curso com preços meramente simbólicos. Um terreno para construção em Mesão Frio, avaliado em 1,2 milhões de euros e penhorado à empresa Nortepolis, tem o preço-base de um euro. Já uma padaria num rés-do-_-chão em Gaia, de 72 mil euros, vende-se pela melhor proposta acima de um cêntimo (ler caixa ao lado).
Os bens são depois vendidos a preços mais altos, dependendo das propostas, mas ainda assim os negócios ficam muito abaixo dos preços de mercado. Segundo o bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC), Domingues de Azevedo, as vendas com licitações simbólicas resultam de «hastas públicas que ficaram desertas». Ou seja, sem compradores.
Antes destes leilões, as Finanças penhoram os bens por dívidas ao fisco e colocam-nos à venda por um preço mínimo tendo em conta o valor patrimonial. Mas, no final do processo, não surgiram propostas de compra ou as que chegaram ficaram abaixo da licitação mínima.
Perante esta situação, os serviços das Finanças são forçados a seguir para o último estágio: a negociação directa pelo chefe da repartição de Finanças, ou por um mediador, muitas vezes com um preço-base meramente simbólico. «Não havendo interessados, é a última instância antes de encerrar o processo. Não há mínimos para a licitação, que pode começar a um cêntimo ou um euro, o que obviamente não quer dizer que seja vendida por esse valor», explica o responsável.
O bastonário alerta para o crescimento de hastas públicas que terminam desta forma: «Muitas praças estão a ficar desertas, neste momento. A oferta [de bens penhorados para venda] subiu muito».
O bastonário revela ter tido conhecimento de leilões de bancos que começam também com um euro de licitação-base, sendo depois vendidos com desconto significativo face aos preços de mercado. Por isso, não estranha que o Estado tenha de seguir o mesmo caminho na venda de bens penhorados por dívidas ao erário público. «As pessoas não têm dinheiro», argumenta.
O Portal das Finanças mostra que as negociações directas já têm um peso significativo. Na quarta-feira ao final tarde, havia 3.464 vendas de bens penhorados em curso no site da DGCI e cerca de 25% diziam respeito a negociações particulares.

Pressa em vender
Como explica a fiscalista Ana Pinelas Pinto, da sociedade de advogados Miranda, os regimes mais comuns para venda de bens penhorados são os leilões electrónicos e a entrega de propostas em carta fechada. No regime do leilão online, o preço-base de venda corresponde, no caso de imóveis, a 70% do valor patrimonial tributário.
Caso não sejam apresentadas propostas durante o período de tempo fixado para o leilão, a venda passa imediatamente para a modalidade de propostas em carta fechada, onde o valor-base baixa para 50% do valor tributário. A negociação particular aplica-se sempre que haja «urgência» na alienação dos bens, em que existe a possibilidade de venda por valores mais baixos. Nos casos identificados pelo SOL, a jurista admite que podem dever-se «ou à urgência na realização das vendas» ou, no caso de bens móveis, como carros, pode também ser devido ao «baixo valor de mercado e cariz obsoleto dos bens em causa».
Para o Estado, a vantagem deste procedimento é conseguir algum dinheiro, mesmo que pouco, sem ficar ‘inundado’ de bens que ninguém quer comprar a preços de mercado. A fiscalista admite que a «crescente necessidade de realização de receita» poderá incentivar a administração tributária a recorrer a este regime, por «permitir a licitação por preços de venda mais baixos e mais atractivos que os aplicáveis nos termos da lei aos regimes do leilão electrónico e de propostas por carta fechada».
A estratégia é um pouco como a que está a ser seguida com o BPN. Por duas vezes se tentou vender o banco por um preço mínimo de 180 milhões de euros, sem que tenha havido propostas. Agora, o processo de venda está a ser feito sem ser estabelecido um montante mínimo, tendo de ser concluído até ao próximo mês de Julho. Quem apresentar a melhor proposta, fica com os activos.

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