Claro que ninguém merece morrer aos 28 anos e a morte do Angélico é triste por esse simples facto, por ser antes do tempo, mas o Angélico como artista e como pessoa não me diz nada e o seu legado é mínimo, mas muito se tem falado sobre o assunto fora as incontáveis horas de televisão a ele dedicadas. No entanto, na semana passada morreu alguém importante, alguém com um grande legado, alguém que empregou milhares de pessoas, que criou riqueza para o país, que foi uma verdadeira história de sucesso, alguém que começou do nada e morreu com tudo. Estou a falar de Salvador Caetano. Deixo em seguida a notícia do jornal Expresso que aborda um pouco da vida e subida na vida do senhor Toyota. Que descanse em paz.
Duro, mas justo. Era assim o homem que trouxe a Toyota e fazia parte de uma geração para quem o despedimento de um único funcionário não era uma medida de gestão mas uma mancha na pele.
O mundo aberto e multifacetado de Salvador Fernandes Caetano - nascido em 2 de Abril de 1926 em Vilar de Andorinho, Gaia - começou a fechar-se sobre si como se tivesse acabado de ficar vazio em 30 de Março deste ano, quando o amigo de sempre, parceiro de negócios e companheiro de trapaças bem dispostas, Laurindo Costa, desapareceu para sempre. A biografia definitiva do homem que em 1968 trouxe para Portugal a marca nipónica Toyota "para ficar e ficou mesmo" - como diz o ‘slogan' inventado por outro amigo que também já anda por outras bandas, Artur Agostinho - dirá que o desaparecimento do antigo sócio maioritário do grupo Soares da Costa fechava um ciclo; mas, para o círculo mais próximo do empresário que morreu no passado dia 27, Salvador Caetano nunca mais recuperou: não era um ciclo que se fechava, era um mundo que desaparecia. "Nunca mais foi o mesmo", disse ao Outlook fonte próxima da família.
Com Salvador Caetano desaparece uma casta de empresários que moldou parte importante da economia portuguesa desde o período imediatamente posterior à II Guerra Mundial, e que partilha uma série de denominadores comuns que são, de algum modo, a história da indústria nacional do século XX. São homens que se fizeram na tarimba do óleo de linhaça das pesadas máquinas industriais, em detrimento dos bancos das universidades; que carregaram como puderam o peso de um condicionamento industrial (anterior a 1974) que os mantinha numa fronteira para lá da qual estavam os banqueiros e uma mão cheia de empresários enredados com o regime de António Salazar e mais tarde com o de Marcelo Caetano; que mantiveram o pulso nos anos de fogo do PREC sem viajarem para paraísos tropicais; que manifestaram sempre um enorme pudor em ostentar a riqueza que amealharam e um mal-estar em frente a microfones, máquinas de filmar e holofotes; e assumiam um despedimento (um único que fosse) não como medida de gestão, mas como uma mancha dolorosa na sua própria pele.
Juventude adiada
A história adulta de Salvador Caetano começou aos dez anos, em 1936 - num país que encerrava as fronteiras com medo do que se passava do lado de lá, entre republicanos a chegar ao poder em Madrid e oposicionistas que punham a Luftwaffe a voar nos céus de Espanha num ensaio para dali a três anos - foi trabalhar para a construção civil e logo depois para a pintura de automóveis. Com os primeiros ordenados, comprou uma bicicleta.
Fartou-se depressa dos patrões e das argamassas, mas não dos automóveis: aos 20 anos fundava uma pequena oficina, juntamente com o irmão Alfredo e com o amigo Joaquim Domingos Martins, com um capital de 30 contos (150 euros). Não correu bem. Salvador perdeu os sócios, mas não a vontade de fazer por si aquilo que achava que estava certo e, a partir de 1952, outra vez sozinho, percebeu que havia mais mundo; e que se ele não chegava cá era preciso ir lá fora buscá-lo. Foi um precursor dessa estratégia que, umas décadas volvidas, ascenderia à condição de verdade insofismável: a capacidade de um empresário se entender com os seus congéneres no exterior seria a medida do seu sucesso a prazo.
Foi nessa certeza que Salvador Caetano introduziu em Portugal as técnicas de construção mista de carroçarias: madeira e perfis de aço. Três anos depois, em 1955, optava pelas metálicas, porque percebeu que era essa, nas feiras e certames que visitava, a opção internacional. Mas não chegava copiar: era preciso estar à frente na inovação. Debaixo desta certeza, fechava um acordo com a britânica Metro Cammel Weman, segundo o qual a empresa portuguesa partilhava as sabedorias que se iam descobrindo além-fronteiras. Foi o primeiro de vários acordos semelhantes, com diversos grupos internacionais.
O ano era o de 1961, o mesmo em que conseguiu um dos seus contratos mais promissores: a venda de 12 autocarros de dois andares aos Serviços de Transportes Colectivos do Porto.
O senhor Toyota
Pouco tempo depois, em 1964, Salvador Caetano voltava a perceber outra coisa antes de muitos outros: a diversificação poderia não apenas promover o aumento dos proveitos do grupo, mas também reduzir riscos perante um eventual emagrecimento do mercado das carroçarias para pesados. Com nove amigos - sempre os amigos - fundou a Transmotor, para representar e vender em Portugal veículos pesados de mercadorias e passageiros das marcas Leyland, Albion e Scammel.
Era o primeiro passo na representação de marcas internacionais, que culminaria em 1968 - já depois de, em 1966, o grupo ter assumido a designação de Salvador Caetano Indústrias Metalúrgicas e Veículos de Transporte - com o início da importação da nipónica Toyota, após ter tentado, sem conseguir, importar a marca Ford. A estratégia tinha riscos: a marca era quase desconhecida; as soluções de ‘design' não eram as mais consensuais face aos padrões europeus e o mercado ainda desconfiava da tecnologia asiática.
A estratégia do grupo revelou-se acertada, e o governo de então soube reconhecer isso: Salvador Caetano pôde contar pela primeira vez com três anos de isenção de impostos sobre os lucros, como forma de elevar o contributo das suas actividades para a economia. Mais importante: a isenção era mostra de que o grupo estava a vencer a batalha contra o condicionamento industrial - que já então muitos economistas consideravam uma aberração sem sentido.
Os anos da Revolução
Os acontecimentos de 25 de Abril de 1974 não podiam ficar à porta da empresa e, por muito que Salvador Caetano mostrasse ser um patrão compreensivo e preocupado com o bem-estar de quem trabalhava para ele, a Revolução entrou portas adentro sem pedir autorização. O senhor Toyota, como começava a ser conhecido, ficou agastado com o ambiente de conspiração que passou a viver-se por entre as carcaças dos camiões e não tolerou que, num dia mais quente que o costume, um dos seus administradores tivesse sido alvo de uma tentativa de sequestro.
Engendrou uma estratégia de ataque: dirigia-se às instalações fabris munido de um banco, subia para cima dele e explicava o andamento da empresa, as perspectivas de futuro e os riscos que se adivinhavam. Fazia como se partilhasse com todos o destino do grupo - coisa que nunca lhe terá passado pela cabeça. Os ânimos acalmavam e os trabalhadores voltavam às carcaças dos pesados. O certo é que o grupo escapou às nacionalizações anunciadas a seguir a 11 de Março de 1975, assumindo a condição de maior conglomerado privado da economia de então. O fundador do grupo acabaria por fundar a imagem que dele acabaria por ser aceite como verdadeira pelos colaboradores: "É duro, mas é justo".
Uma viagem a Inglaterra
Terá sido o que aprenderam, há cerca de uma década, os colaboradores das empresas do grupo no Reino Unido. Salvador Caetano viajou para Inglaterra e convidou os colaboradores para jantar num restaurante a duas horas de viagem de Londres.
Entre sorrisos necessários e alguns esgares de aborrecimento pelas dificuldades de comunicação, os colaboradores lá iam espiando Mr.Caetano, que se mantivera calado durante o jantar. Aquilo estava quase a acabar e nem tinha corrido mal. Até à sobremesa: então, usando um inglês que não passaria nos exames de acesso a Oxford mas mais que suficiente para dar a entender ao que ia, explicou que "ou vocês trabalham mais e melhor ou eu fecho as empresas que tenho em Inglaterra". Curto e grosso, como costuma dizer-se, o que deixou os colaboradores estarrecidos e esclarecidos.
A dureza e a justiça da postura de Salvador Caetano foi a chave-mestra da sua vida de trabalho de 75 anos, que só acabou há meia dúzia de semanas, quando o fundador do grupo deixou de visitar as fábricas que pôs em pé. Preparava-se para descansar.
O mundo aberto e multifacetado de Salvador Fernandes Caetano - nascido em 2 de Abril de 1926 em Vilar de Andorinho, Gaia - começou a fechar-se sobre si como se tivesse acabado de ficar vazio em 30 de Março deste ano, quando o amigo de sempre, parceiro de negócios e companheiro de trapaças bem dispostas, Laurindo Costa, desapareceu para sempre. A biografia definitiva do homem que em 1968 trouxe para Portugal a marca nipónica Toyota "para ficar e ficou mesmo" - como diz o ‘slogan' inventado por outro amigo que também já anda por outras bandas, Artur Agostinho - dirá que o desaparecimento do antigo sócio maioritário do grupo Soares da Costa fechava um ciclo; mas, para o círculo mais próximo do empresário que morreu no passado dia 27, Salvador Caetano nunca mais recuperou: não era um ciclo que se fechava, era um mundo que desaparecia. "Nunca mais foi o mesmo", disse ao Outlook fonte próxima da família.
Com Salvador Caetano desaparece uma casta de empresários que moldou parte importante da economia portuguesa desde o período imediatamente posterior à II Guerra Mundial, e que partilha uma série de denominadores comuns que são, de algum modo, a história da indústria nacional do século XX. São homens que se fizeram na tarimba do óleo de linhaça das pesadas máquinas industriais, em detrimento dos bancos das universidades; que carregaram como puderam o peso de um condicionamento industrial (anterior a 1974) que os mantinha numa fronteira para lá da qual estavam os banqueiros e uma mão cheia de empresários enredados com o regime de António Salazar e mais tarde com o de Marcelo Caetano; que mantiveram o pulso nos anos de fogo do PREC sem viajarem para paraísos tropicais; que manifestaram sempre um enorme pudor em ostentar a riqueza que amealharam e um mal-estar em frente a microfones, máquinas de filmar e holofotes; e assumiam um despedimento (um único que fosse) não como medida de gestão, mas como uma mancha dolorosa na sua própria pele.
Juventude adiada
A história adulta de Salvador Caetano começou aos dez anos, em 1936 - num país que encerrava as fronteiras com medo do que se passava do lado de lá, entre republicanos a chegar ao poder em Madrid e oposicionistas que punham a Luftwaffe a voar nos céus de Espanha num ensaio para dali a três anos - foi trabalhar para a construção civil e logo depois para a pintura de automóveis. Com os primeiros ordenados, comprou uma bicicleta.
Fartou-se depressa dos patrões e das argamassas, mas não dos automóveis: aos 20 anos fundava uma pequena oficina, juntamente com o irmão Alfredo e com o amigo Joaquim Domingos Martins, com um capital de 30 contos (150 euros). Não correu bem. Salvador perdeu os sócios, mas não a vontade de fazer por si aquilo que achava que estava certo e, a partir de 1952, outra vez sozinho, percebeu que havia mais mundo; e que se ele não chegava cá era preciso ir lá fora buscá-lo. Foi um precursor dessa estratégia que, umas décadas volvidas, ascenderia à condição de verdade insofismável: a capacidade de um empresário se entender com os seus congéneres no exterior seria a medida do seu sucesso a prazo.
Foi nessa certeza que Salvador Caetano introduziu em Portugal as técnicas de construção mista de carroçarias: madeira e perfis de aço. Três anos depois, em 1955, optava pelas metálicas, porque percebeu que era essa, nas feiras e certames que visitava, a opção internacional. Mas não chegava copiar: era preciso estar à frente na inovação. Debaixo desta certeza, fechava um acordo com a britânica Metro Cammel Weman, segundo o qual a empresa portuguesa partilhava as sabedorias que se iam descobrindo além-fronteiras. Foi o primeiro de vários acordos semelhantes, com diversos grupos internacionais.
O ano era o de 1961, o mesmo em que conseguiu um dos seus contratos mais promissores: a venda de 12 autocarros de dois andares aos Serviços de Transportes Colectivos do Porto.
O senhor Toyota
Pouco tempo depois, em 1964, Salvador Caetano voltava a perceber outra coisa antes de muitos outros: a diversificação poderia não apenas promover o aumento dos proveitos do grupo, mas também reduzir riscos perante um eventual emagrecimento do mercado das carroçarias para pesados. Com nove amigos - sempre os amigos - fundou a Transmotor, para representar e vender em Portugal veículos pesados de mercadorias e passageiros das marcas Leyland, Albion e Scammel.
Era o primeiro passo na representação de marcas internacionais, que culminaria em 1968 - já depois de, em 1966, o grupo ter assumido a designação de Salvador Caetano Indústrias Metalúrgicas e Veículos de Transporte - com o início da importação da nipónica Toyota, após ter tentado, sem conseguir, importar a marca Ford. A estratégia tinha riscos: a marca era quase desconhecida; as soluções de ‘design' não eram as mais consensuais face aos padrões europeus e o mercado ainda desconfiava da tecnologia asiática.
A estratégia do grupo revelou-se acertada, e o governo de então soube reconhecer isso: Salvador Caetano pôde contar pela primeira vez com três anos de isenção de impostos sobre os lucros, como forma de elevar o contributo das suas actividades para a economia. Mais importante: a isenção era mostra de que o grupo estava a vencer a batalha contra o condicionamento industrial - que já então muitos economistas consideravam uma aberração sem sentido.
Os anos da Revolução
Os acontecimentos de 25 de Abril de 1974 não podiam ficar à porta da empresa e, por muito que Salvador Caetano mostrasse ser um patrão compreensivo e preocupado com o bem-estar de quem trabalhava para ele, a Revolução entrou portas adentro sem pedir autorização. O senhor Toyota, como começava a ser conhecido, ficou agastado com o ambiente de conspiração que passou a viver-se por entre as carcaças dos camiões e não tolerou que, num dia mais quente que o costume, um dos seus administradores tivesse sido alvo de uma tentativa de sequestro.
Engendrou uma estratégia de ataque: dirigia-se às instalações fabris munido de um banco, subia para cima dele e explicava o andamento da empresa, as perspectivas de futuro e os riscos que se adivinhavam. Fazia como se partilhasse com todos o destino do grupo - coisa que nunca lhe terá passado pela cabeça. Os ânimos acalmavam e os trabalhadores voltavam às carcaças dos pesados. O certo é que o grupo escapou às nacionalizações anunciadas a seguir a 11 de Março de 1975, assumindo a condição de maior conglomerado privado da economia de então. O fundador do grupo acabaria por fundar a imagem que dele acabaria por ser aceite como verdadeira pelos colaboradores: "É duro, mas é justo".
Uma viagem a Inglaterra
Terá sido o que aprenderam, há cerca de uma década, os colaboradores das empresas do grupo no Reino Unido. Salvador Caetano viajou para Inglaterra e convidou os colaboradores para jantar num restaurante a duas horas de viagem de Londres.
Entre sorrisos necessários e alguns esgares de aborrecimento pelas dificuldades de comunicação, os colaboradores lá iam espiando Mr.Caetano, que se mantivera calado durante o jantar. Aquilo estava quase a acabar e nem tinha corrido mal. Até à sobremesa: então, usando um inglês que não passaria nos exames de acesso a Oxford mas mais que suficiente para dar a entender ao que ia, explicou que "ou vocês trabalham mais e melhor ou eu fecho as empresas que tenho em Inglaterra". Curto e grosso, como costuma dizer-se, o que deixou os colaboradores estarrecidos e esclarecidos.
A dureza e a justiça da postura de Salvador Caetano foi a chave-mestra da sua vida de trabalho de 75 anos, que só acabou há meia dúzia de semanas, quando o fundador do grupo deixou de visitar as fábricas que pôs em pé. Preparava-se para descansar.
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